Neste exato momento alguém do seu círculo social está defendendo abertamente o regime militar no whatsapp, twitter ou facebook, sem que ninguém, inclusive você, se oponha a essa aberração. Há 4 anos isso seria inimaginável. Mas hoje os apologistas do regime saíram das suas tocas desavergonhadamente. Aproveitam o caldo de cultura fermentado a partir dos casos de corrupção, das falas golpistas do presidente da República, e da atual polarização ideológica, para golfarem suas ideias e releituras históricas em qualquer buraco que tenham espaço para alocução.
Releitura histórica não é lá um termo dos mais apropriados, eu sei. Talvez melhor fosse falar em estupro dos acontecimentos históricos. Apesar de chulo, reflete a realidade de forma mais adequada. Afinal de contas, as tais defesas remetem à grande probidade dos presidentes ditadores. Ou seja, trabalham com o superficial discurso do combate à corrupção e da moralidade que os militares utilizaram para engendrar o golpe de 64, e repetem-no 50 anos depois, quando os fatos passados já demonstraram que a explosão das grandes falcatruas entre Estado e mercado aconteceu no período ditatorial, quando não havia o ministério público de hoje; os jornais eram empastelados; e os opositores do regime tinham as suas críticas manietadas na base da mordaça e da força bruta. Um autoritarismo desmedido, sem régua que desse conta.
Mas ainda assim, mesmo que tudo isso já esteja provado por “a” mais “b”, a partir de uma trivial conta matemática em que o número de mortos, desaparecidos e de torturados somam milhares, os apologistas da ditadura querem fazer crer o contrário. E se sentem confortáveis em dizer isso, sob um lastimável silêncio da maioria das pessoas, como se a crise da representatividade, e a incompetência dos partidos que fazem parte do corpo político democrático, lhes conferissem uma carta branca para defenderem os deuses generais que mataram, que não perdoaram, que permitiram as grandes despesas sem licitações, que não diminuíram o analfabetismo e nem muito menos combateram a miséria absoluta em que viviam as populações pobres.
Por mais que se tenha ódio do PT ou que se sinta asco ao imaginar um novo governo de Lula, é preciso entender que nada disso pode ser nem de longe comparado a uma ditadura, simplesmente porque nos regimes de exceção não existe espaço para um dos pilares da democracia, que é o direito fundamental de liberdade.
Nessa quadra atual, em que o futuro do país é incerto e não há margem para muito otimismo, ouvir em silêncio obsequioso alguém defender o regime militar, ainda que esse alguém seja seu amigo, vizinho ou conhecido, é simplesmente compactuar com o devaneio do retorno ao pior dos esgotos em que o país já se afundou.
Como escreveu o grande advogado potiguar e professor Carlos Roberto de Miranda Gomes, na introdução do livro que resultou das investigações realizadas pela comissão da verdade criada na UFRN, “os militares resolveram exercer eles mesmos o poder, acreditando que seriam os únicos a ter disciplina e a honestidade necessárias para a função. Foram tragados por um turbilhão de autoritarismo, disputas internas, guerrilha, inflação, tortura nos quartéis, atentados que desmoralizaram a instituição e seus generais-presidentes, apesar da censura imposta à imprensa. Começava no Brasil o caminho dos tanques, um período de mordaça dos segmentos sociais e a censura à imprensa sob uma divulgação de combate à subversão e corrupção – temas profundamente contraditórios em razão da história do País, usando-se para isso a força bruta e a grotesca ostentação de armas, torturas, perseguições e mortes, com a conivência de parcelas importantes da sociedade”.