por Alisson Almeida, do Portal Saiba Mais
“O Brasil continua sob ameaça e, para reagir, não adianta só a força das armas. A gente tem que começar buscando o apoio da população. Uma boa guerrilha, pra você conseguir o objetivo, você tem que conquistar o item básico, que é o apoio da população”. A declaração é do deputado federal General Girão (PL), feita durante um encontro de “grupos patriotas”, realizado no dia 16 de setembro de 2023, na sede do Clube Militar do Rio de Janeiro.
O discurso do parlamentar bolsonarista continua no ar nas redes sociais em um perfil no chamado “Força Ampla Patriótica”. Girão é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por incitação aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
O 1º Encontro Nacional dos Grupos Patriotas, segundo informações do site “Comando Ananás”, foi organizado pelo coronel reformado do Exército Etevaldo Luiz Caçadini, acusado de liderar a organização criminosa que se denominava “Comando de Caça a Comunistas, Corruptos e Criminosos” (Comando C4).
O nome do grupo faz referência ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC), milícia de extrema direita que, apesar de não fazer parte oficialmente do sistema, apoiou a ditadura militar brasileira, iniciada com o golpe de 1964.
Uma parte dos seus integrantes foi, posteriormente, incorporada aos órgãos oficiais de repressão, como o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) e o Serviço Nacional de Informações (SNI).
A nova milícia anticomunista inspirada na ditadura militar foi descoberta pela Polícia Federal (PF), em uma operação realizada na última sexta-feira (28), quando foram presos cinco integrantes de um grupo de extermínio, formado por civis e militares da ativa e da reserva, que cobrava para espionar autoridades, como senadores, deputados e ministros do STF.
A operação foi autorizada pelo ministro do STF, Cristiano Zanin. De acordo com a PF, o grupo também está envolvido em um esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A reunião do “grupo de patriotas”, com a presença do General Girão, ocorreu menos de três meses antes do assassinato do advogado Roberto Zampieri, ocorrido no dia 5 de dezembro de 2023, em Cuiabá (MT). A investigação sobre o crime, que segundo a PF foi financiado pelo coronel reformado Luiz Caçadini, levou à descoberta do “Comando C4”.
A PF encontrou, no celular de Zampieri, negociações de venda de sentenças judiciais com menções a juízes de diferentes tribunais do país, incluindo gabinetes de ministros do STJ. O grupo, segundo as investigações, usava drones para espionar autoridades, além de contratar garotas e garotos de programa como “isca” para atrair seus alvos.
De acordo com a PF, o grupo mantinha uma tabela de preços de espionagem conforme o perfil de cada alvo. Para espionar ministros do STF, o valor cobrado era de R$ 250 mil. Já o preço para fazer o mesmo serviço com senadores e deputados custava, respectivamente, R$ 150 mil e R$ 100 mil.
Outro participante do encontro foi o desembargador aposentado Sebastião Coelho, chamado de “grande amigo” e “parceiro nosso ativo” pelo coronel reformado Luiz Caçadini. Ele foi alvo de uma investigação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por incitação a atos golpistas quando ainda era desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Atualmente, Sebastião Coelho é advogado do ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, na ação penal da tentativa de golpe de Estado. Em março, ele chegou a ser detido no STF por tentar tumultuar o julgamento da denúncia contra Bolsonaro.
Girão discursa ao lado de financiador de milícia anticomunista
O coronel reformado Luiz Caçadini, anfitrião do “encontro de patriotas”, é o homem que aparece ao lado do General Girão durante o discurso do deputado federal do Rio Grande do Norte.
Em um trecho da sua fala no evento, o parlamentar potiguar recorda que seus instrutores da “turma de 70 e 73” diziam que “você tem que conquistar o item básico das forças de guerrilha, que é o apoio da população”.
“Eu não quero dizer que a gente vá ser guerreiro de maneira nenhuma. Daqui a pouco vão estar me processando de novo. Eu quero dizer o seguinte: que para você conquistar o apoio da população, para qualquer coisa, você precisa sim ter capacidade de fazer essa influência chegar lá dentro. Então vamos buscar todos os meios possíveis para que esse apoio da população seja conquistado”, discursou.
Caçadini foi colega de turma de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Os dois se formaram na “Turma Tiradentes” de 1977. O General Girão formou-se na “Turma 31 de Março” de 1976, tendo chegado a general de brigada do Exército Brasileiro.
Girão: “O poder moderador sempre foi quem tinha as armas”
Em outro momento do seu discurso, Girão menciona a tese bolsonarista sobre o suposto “poder moderador”, baseada na interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição do Brasil, que seria exercido pelas Forças Armadas.
“O poder moderador, meu amigo, sempre foi quem tinha o poder de decisão. As armas, sempre foram as armas”, defendeu o parlamentar.
O STF, no entanto, em julgamento unânime realizado em agosto de 2024, definiu quais são os limites para a atuação das Forças Armadas. A Constituição do Brasil, segundo os ministros da Suprema Corte, não permite uma “intervenção militar constitucional” e nem encoraja uma ruptura democrática.
Em seguida, Girão cita as investigações contra ele pelo STF por incitar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, que resultaram na invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília (DF).
O deputado negou que tenha havido tentativa de golpe no dia 8/1/2023. Para ele, o que aconteceu foi apenas um “efeito manada”, uma demonstração de que “perdeu-se o controle”.
Ele, no entanto, confirma que as atos que resultaram na invasão às sedes dos Três Poderes foram planejados, citando uma reunião realizada no dia 6 de janeiro de 2023.
“Nessa reunião, foi acordado que as pessoas que estavam no acampamento iriam se desloca até a Praça dos Três Poderes”, contou, mas disse que o que aconteceu “entre a tarde e noite do dia 6 e a manhã do dia 8” se deveu a pessoas que se “infiltraram” entre os bolsonaristas para “fazer baderna”.
“Alguns de nós, alguns dos nossos, podem sim ter aproveitado o efeito mandado e ter feito alguma coisa”, emendou.
“Aqui ninguém mexe”, disse Girão sobre golpistas acampados em frente ao “16 RI”
No encontro promovido pelo Comando C4, Girão afirmou que “tentaram por várias vezes, com decisões monocráticas de juízes e com decisões de gestores” acabar com os acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis do Exército.
Ele cita que a governadora Fátima Bezerra (PT) “tentou desfazer” o acampamento montado em frente ao 16° Batalhão de Infantaria Motorizado do Exército, na Av. Hermes da Fonseca, em Natal.
“A governadora tentou desfazer a manifestação, mas a ordem foi: ‘aqui ninguém mexe’, eles estão dentro do quartel’. Então, as nossas Forças Armadas apoiaram as pessoas que estavam ali na frente. De maneira nenhuma a gente poderia ter permitido que essas pessoas fossem cercadas e presas dentro do setor militar”, revelou.
Girão criticou colegas que, segundo ele, cumpriram “ordens absurdas”, numa referência à retirada dos manifestantes da porta dos quartéis após o 8/1/2023.
O deputado disse que “o pessoal da minha turma sabe muito bem porque eu entrei para a reserva”, afirmando lamentar “bastante hoje algumas instituições, como a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, estarem recebendo ordens que classificamos como sendo ordens absurdas”.
“A ordem absurda, quando você aceita e cumpre, você passa a ser corresponsável. Então, independente de qualquer coisa, ordens absurdas precisam ser questionadas por quem recebeu a ordem e para quem deu a ordem. A partir daí, a decisão é pessoal”, pregou.
PF disse que Girão incitou “crimes contra o Estado Democrático de Direito”
De acordo com a investigação da Polícia Federal, o parlamentar organizou um grupo de pessoas para “manter-se firmes no propósito de cometer crimes contra o Estado Democrático de Direito”.
O deputado, ainda segundo a PF, Girão fez publicações em redes sociais, apareceu em vídeos e incitou, “em tese, animosidade entre as forças armadas e os poderes constitucionais, as instituições e a sociedade”.
No início de janeiro deste ano, Girão foi condenado por danos morais coletivos ao fomentar atos antidemocráticos após as eleições de 2022. Além dele, a decisão da 4ª Vara da Justiça Federal no RN, atendendo a uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), também condenou a União, o estado do Rio Grande do Norte e o município de Natal por omissão na proteção à democracia.
Girão foi condenado a pagar R$ 2 milhões em danos morais coletivos por estimular os atos antidemocráticos. Juntos, todos os réus foram condenados a pagar R$ 5 milhões em indenizações.
Depois da decisão da 4ª Vara da Justiça Federal no RN, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator do inquérito dos atos antidemocráticos de 2023, solicitou o envio de cópia da sentença contra o General Girão.
O despacho do ministro citava que o deputado potiguar é alvo do inquérito que investiga sua “possível participação nos atos antidemocráticos ocorridos em 8/1/2023”, que apura ainda a “possibilidade de caracterização dos crimes de associação criminosa, incitação ao crime, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado”.
Alexandre de Moraes determinou a instauração do inquérito nº 4.939 em 7 de julho de 2023 para investigar a suposta participação de Girão na tentativa de golpe protagonizada pelos manifestantes bolsonaristas que invadiram, depredaram e destruíram as sedes do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal no fatídico dia 8/1/2023.
O ministro do STF, em seu despacho, citou o relatório final da Polícia Federal apontando que o deputado federal do PL, em publicações nas redes sociais, mantinha sua conduta de “acusar a existência de fraude no processo eleitoral e a desonestidade do Poder Judiciário e seus membros, de modo a incitar seus seguidores a protestar por intervenção das Forças Armadas”.