Cleber Lourenço/ICL Notícias – O julgamento da tentativa de golpe de 2022 é histórico, mas corre o risco de se transformar em apenas um ritual de punição simbólica se o país não encarar a raiz do problema: as Forças Armadas. Não basta condenar Jair Bolsonaro e um punhado de generais cúmplices. Sem mudanças profundas, o Brasil seguirá refém de uma instituição que insiste em se enxergar como tutora da República, posicionando-se acima do povo e da Constituição. O que se vê agora no Supremo é só a face mais visível de um conflito que atravessa nossa história recente: a insistência da farda em ocupar o espaço da política.

É preciso reconhecer que a origem desse problema está na formação dos militares. As academias ainda tratam 1964 como ato redentor, não como ruptura democrática. Oficiais seguem sendo formados em um ambiente onde memoriais e celebrações à ditadura se mantêm como referência. Isso equivale a ensinar que a Constituição é descartável e que a democracia é um adereço que pode ser suspenso conforme conveniências.

Enquanto o golpe de 64 continuar celebrado como marco positivo, a semente da insubordinação seguirá plantada em cada nova turma de oficiais. Quem serve à República não pode venerar a ditadura — esse é o primeiro passo de uma mudança real.

A naturalização da intervenção militar no poder civil precisa ser atacada de frente. Não é apenas questão de símbolos, mas também de práticas concretas. Um exemplo gritante é a sala de assessoria parlamentar dos militares dentro do Congresso Nacional: um espaço oficial de lobby, sustentado com recursos públicos, dedicado a pressionar deputados e senadores.

Trata-se de uma aberração democrática. Não existe “sala do STF” no Congresso, nem um “gabinete do Itamaraty” ali dentro. Por que a farda, que deveria estar subordinada ao poder civil, deve desfrutar de tal privilégio? Esse tipo de anomalia institucional cristaliza a ideia de que os militares não precisam seguir as mesmas regras que todos os outros órgãos do Estado.

Também é urgente desmontar a ideia de que os militares são uma casta especial, intocável e com direitos acima do cidadão comum. Isso passa por uma reforma administrativa que corte privilégios injustificáveis e reveja mecanismos de poder que alimentam a impunidade.

A Justiça Militar é exemplo central: um tribunal paralelo, onde militares julgam militares, perpetuando a lógica corporativa que os protege. É um sistema que garante autopreservação em vez de responsabilização, funcionando como um escudo institucional contra a sociedade civil. Não há democracia madura que aceite esse tipo de tribunal de exceção. Se queremos República plena, é preciso abolir a Justiça Militar.

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