Cleber Lourenço/ICL Notícias – O projeto de lei da anistia, em debate no Congresso Nacional, provocou uma reação imediata e intensa de advogados e professores de direito. A avaliação predominante é que o texto não se limita a revisar condenações ou a buscar pacificação social: ele abre um perdão geral que ameaça pilares constitucionais e fragiliza o Estado Democrático de Direito.
Para o criminalista Bruno Salles, a proposta tem um vício de origem. O artigo 1º concede anistia não apenas a investigados ou condenados, mas também a qualquer pessoa que ainda não tenha sido alvo de apuração. “É uma espécie de anistia para o futuro”, resume. O dispositivo também abrange ataques contra instituições e contra o processo eleitoral. “É um golpe mortal sobre o nosso sistema eleitoral, como não víamos desde a República Velha”, afirma.
Outro ponto destacado por Salles é que a lei não faz referência a tipos penais específicos. Ela fala em condutas vagas, como “reforço à polarização” ou “geração de animosidade”, categorias que não existem no Código Penal e que, mesmo assim, seriam abrangidas pela anistia. Já o inciso II perdoa todos os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Na prática, observa o advogado, até condutas gravíssimas, como a colaboração com um Estado estrangeiro hostil, poderiam ser englobadas. O inciso III, por sua vez, protege financiadores, organizadores e autores materiais da depredação de prédios públicos em 8 de janeiro.
O texto vai além do campo penal. No inciso IV, o alvo são inquéritos e investigações em curso no Supremo Tribunal Federal, como o das fake news. O inciso V dá perdão irrestrito a toda forma de desinformação, inclusive em temas de saúde pública. O parágrafo segundo derruba medidas cautelares, cancela multas milionárias — como a que atingiu o PL — e devolve direitos políticos a inelegíveis. Salles observa que esse efeito alcançaria inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro. “Esse povo quer a liberação do crime. Querem carta branca para delinquir e continuar delinquiendo”, disse.
Vícios constitucionais
A constitucionalista Damares Medina reforça a crítica. Para ela, o texto esbarra em limites claros da Constituição. Ao falar em condutas “associadas de qualquer modo”, a proposta abre espaço para que até milícias e organizações criminosas sejam anistiadas. Medina lembra que inelegibilidade só pode ser tratada por lei complementar e deve respeitar o princípio da anualidade. O projeto, portanto, é nulo nesse ponto. Ela aponta ainda que o afastamento automático de multas, indenizações e medidas cautelares viola a separação de poderes e compromete a segurança jurídica. “É uma anistia que invade áreas onde o Congresso não tem competência para atuar dessa forma”, resume.
A jurista também destaca o marco temporal adotado: março de 2019, data que coincide com a abertura do inquérito das fake news. Para Medina, isso reforça o caráter casuístico da proposta. “É um projeto que nasce com vício de finalidade, feito sob medida para proteger determinados atores políticos”, afirma.
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