ICL -Por Cleber Lourenço
Na leitura de seu voto no julgamento do Núcleo 1 da tentativa de golpe de 8 de janeiro, o ministro Luiz Fux declarou que teria demonstrado “humildade judicial” para evoluir em sua compreensão, afirmando que sempre esteve disposto a reconsiderar posições. Disse ainda que estava aceitando revisões e embargos criminais como forma de mostrar coerência e abertura ao debate sobre a competência do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa declaração, porém, não corresponde ao histórico documentado de sua atuação em processos relacionados ao 8 de janeiro, onde é possível identificar decisões em sentidos distintos.
Reconhecendo que mudou de ideia em relação ao 8/1, Fux disse:
Nós já julgamos centenas ou milhares de ações, mas foi exatamente verticalizando nesse voto que eu propus a mim, como magistrado que deve ter a humildade judicial de evoluir, de reconsiderar, que eu estou pedindo vista, estou aceitando em base de declaração, aceitando revisões criminais.
O episódio mais emblemático foi o chamado “caso Débora“, que ganhou repercussão pública justamente por expor a posição do ministro. Naquele processo, Fux votou de forma categórica pela incompetência originária do STF.
O ministro sustentou que o foro por prerrogativa de função não persiste após o afastamento do cargo e, no caso específico, como a acusada não tinha mais prerrogativa, a ação penal deveria ser remetida à primeira instância. Em seu voto, ele foi explícito ao afirmar que o Supremo não seria o juízo competente para aquele caso. Essa manifestação se alinhava a um entendimento já exposto em outras ocasiões por Fux, de que o foro especial deve ser interpretado de forma restritiva.
A postura, no entanto, não se manteve uniforme. Em julgamento posterior, na Ação Penal 2.520 (Distrito Federal), também relacionada aos atos de 8 de janeiro, Fux votou de maneira completamente distinta. Partiu do reconhecimento da materialidade e da autoria dos crimes imputados e, em sua manifestação, divergiu apenas quanto à dosimetria penal.
Nesse ponto, defendeu a aplicação do princípio da consunção para integrar e absorver delitos semelhantes previstos nos artigos 359-L e 359-M do Código Penal. O ministro, portanto, não levantou qualquer questionamento sobre a competência do Supremo e atuou diretamente no mérito da ação, ajustando apenas a forma de cálculo da pena.
Fux e as contradições
O contraste entre os dois momentos é evidente. Em um primeiro julgamento, Fux não apenas sustentou, mas votou pela incompetência do STF. Em outro, julgou o mérito da causa como se a Corte fosse plenamente competente.
Essa oscilação demonstra que, ao contrário do que declarou em plenário nesta semana, não houve uma linha de coerência ininterrupta em sua atuação nos processos do 8 de janeiro. O que se observa é uma alternância entre o afastamento da competência do STF e a posterior aceitação de julgamentos de mérito.
Esse padrão lança dúvidas sobre a versão de que o ministro sempre teria se posicionado da mesma forma e apenas teria “evoluído” ao longo do tempo. A documentação disponível mostra um movimento pendular, condicionado pelo contexto de cada caso concreto, mas que acaba transmitindo ao público uma imagem de contradição.
O resultado é que Fux, ao reivindicar coerência em plenário, expõe uma divergência entre discurso e prática: reconheceu incompetência no “caso Débora”, mas voltou a julgar o mérito em outro processo do 8 de janeiro, sem retomar a mesma preliminar. O episódio ilustra como decisões em casos emblemáticos podem se chocar com declarações públicas que tentam construir uma narrativa de consistência jurídica.