Organizações não governamentais (ONGs) suspeitas de envolvimento no esquema investigado pela Polícia Federal (PF), conhecido como “máfia das creches,” administram cerca de 131 unidades educacionais em São Paulo. Essas ONGs atendem quase 20 mil alunos e recebem aproximadamente R$ 300 milhões por ano da Prefeitura.
Um levantamento do Metrópoles identificou 34 dessas entidades, ligadas a pessoas indiciadas pela PF, sob suspeita de desviar recursos públicos através de notas fiscais fraudulentas, nas quais fornecedores devolviam parte dos valores recebidos em contas pessoais ou de empresas.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) declarou ter colaborado com a investigação fornecendo documentos que embasaram a operação, aguardando agora o desfecho das investigações para decidir sobre possíveis medidas municipais. A PF estima que, em cinco anos, o esquema desviou cerca de R$ 1,5 bilhão, e resultou no indiciamento de 116 pessoas.
O caso ganhou repercussão nas eleições municipais, pois o próprio Nunes foi investigado devido a pagamentos que teria recebido de uma das empresas envolvidas. Embora não tenha sido formalmente acusado, a PF e o Ministério Público Federal (MPF) solicitaram à Justiça a continuidade das investigações sobre Nunes, que alega não ter cometido irregularidades.
O esquema
Entre as ONGs citadas está o Instituto Ama São Paulo (Amasp), que gerencia 12 unidades com quase 2 mil alunos, recebendo um total de R$ 2,4 milhões mensais da prefeitura. Segundo o relatório da PF, o esquema utilizava empresas de fachada que emitiam notas frias para justificar a saída dos recursos desviados.
A Amasp teria repassado R$ 2,1 milhões para empresas como Tag Distribuidora e Distribuidora Paulista Delivery, sendo que seu presidente, Leandro de Lucas, teria recebido R$ 1,8 milhão dessas empresas. Lucas alegou que os valores eram reembolsos por despesas, mas a PF identificou uma “clara confusão” na movimentação financeira, levando ao seu indiciamento por lavagem de dinheiro.
A zona leste de São Paulo concentra a maior parte das ONGs envolvidas, com 14 dos 26 milhões destinados a essas entidades indo para ONGs localizadas nessa região. Outra entidade mencionada no relatório é a Associação de Desenvolvimento Infantil (Adeji), que recebe R$ 2 milhões mensais para operar oito creches. A presidente da Adeji, Edmarcia Ferreira, também foi indiciada pela PF, após a identificação de repasses de R$ 718 mil para empresas envolvidas no esquema.
A empresa Francisca Jaqueline Oliveira Braz, apontada como uma das “noteiras,” teria movimentado cerca de R$ 163 milhões no período investigado, com um endereço registrado em um condomínio simples na zona leste.
A PF descobriu que dois cheques no valor de R$ 5.795,08 foram depositados na conta de Nunes, além de uma transferência de R$ 20 mil para uma antiga empresa da família do prefeito. Nunes alega que esses valores se referem a serviços prestados anteriormente.
A Acria, entidade que também tem vínculo com o prefeito, teria repassado R$ 2,5 milhões à empresa Francisca Jaqueline e recebido de volta R$ 1,3 milhão, segundo o relatório da PF. Embora a PF não tenha indiciado os envolvidos nessa ONG, recomendou que as investigações continuem. A Acria permanece na administração de 10 creches no cadastro municipal.
Outra descoberta da PF sobre as empresas “noteiras” é que elas frequentemente registravam vendas muito superiores ao seu estoque. A Tag Distribuidora, por exemplo, declarava vendas que superavam em 49.291% o total de suas aquisições entre 2016 e 2020.
O que diz a prefeitura?
A administração de Ricardo Nunes informou que desde 2019 já descredenciou 470 creches por não cumprirem os requisitos de contratação. “A Controladoria Geral do Município abriu processos de responsabilização de pessoa jurídica, com base na Lei Anticorrupção, e aplicou multas e punições a organizações sociais”, diz a gestão.
Segundo a prefeitura, as entidades conveniadas são fiscalizadas regularmente para garantir a qualidade dos serviços, e os valores repassados são calculados com base no número de vagas e no valor per capita.