ICL- Por Gabriel Gomes

A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que determinou neste domingo (24) que o Tribunal de Contas da União (TCU) detalhe R$ 694,6 milhões em emendas Pix que ainda não possuem plano de trabalho apresentado, confirma: esse tipo de farra com dinheiro público está longe de ser resolvida. Desde o fim do ano passado, quando suspendeu pagamento de R$ 4,2 bilhões do orçamento da União, até cumprimento de critérios de transparência, Dino tenta moralizar essa distribuição de recursos.

Este é um principais motivos que unem parlamentares de diversos partidos em torno do projeto criado para blindar deputados e senadores do que eles consideram interferência do Judiciário. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), designou o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) como relator para a chamada PEC da blindagem. A expectativa é a de que a votação ocorra nos dias e que tenha amplo apoio na Casa.

As decisões de Dino para dar transparência à origem e ao destino das emendas acenderam o sinal de alerta no Congresso. Por isso, A PEC da blindagem ganhou força extra.

Mesmo antes dessa ação do ministro do STF, muitos parlamentares já estavam na mira da Justiça ou da imprensa por causa dessa farra com recursos públicos. A lista inclui políticos das mais variadas colorações ideológicas.

Agiota como intermediário das emendas

Um dos casos mais avançados em tramitação na Justiça envolvendo o desvio de recursos públicos das emendas parlamentares envolve três deputados do PL: Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Bosco Costa (PL-SE), que atualmente é suplente, e Pastor Gil (PL-MA). Os três são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a acusação de corrupção passiva e organização criminosa envolvendo as emendas.

Segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o trio solicitou “de modo consciente e voluntário” o pagamento de propina de José Eudes Sampaio Nunes, ex-prefeito de São José de Ribamar (MA). A investigação conseguiu provas de que os três políticos e os operadores do esquema solicitaram pagamento de propina como contrapartida à destinação de emendas em São José de Ribamar e outras cidades maranhenses.

De acordo com a investigação, os deputados decidiram enviar emendas parlamentares para São José de Ribamar já com o objetivo de extorquir a prefeitura local. O agiota Josival Cavalcanti da Silva, conhecido como Pacovan, encarregava-se das abordagens, segundo a acusação. A PGR ainda apresentou na denúncia provas de que o mesmo grupo de parlamentares e operadores agiram da mesma forma para corromper outros municípios.

Josimar Maranhãozinho chegou a ser flagrado manuseando uma grande quantidade de dinheiro que, segundo a Polícia Federal, é resultado do esquema de desvios de recursos de emendas parlamentares. As imagens, gravadas por uma câmera escondida pelos agentes no escritório do político em São Luís, capital do Maranhão, mostram o deputado retirando as notas de uma caixa. Em outro momento, ele guarda um maço embaixo de uma bolsa.

Em fevereiro deste ano, a PF pediu a abertura de inquérito para apurar suspeita de desvios relacionados a emendas parlamentares do senador Eduardo Gomes (PL-TO). O pedido se deu dentro do inquérito da Operação Emendário, que mirou os três deputados do PL denunciados pela PGR.

Ao analisar aparelhos eletrônicos apreendidos durante a investigação, a PF encontrou mensagens em que um ex-assessor de Eduardo Gomes cobra o pagamento de valores de Carlos Lopes, secretário parlamentar do deputado Josimar Maranhãozinho.

Denúncias derrubaram ministro

Outro caso envolvendo as emendas parlamentares é o do deputado e ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União- MA), que foi denunciado ao STF pela PGR. A investigação envolve dinheiro enviado à cidade de Vitorino Freire, no Maranhão — onde a irmã dele, Luanna Rezende, também do União Brasil, era prefeita.

Juscelino foi indiciado pela PF sob suspeita de participar de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, falsidade ideológica e fraude em licitação. A PF concluiu que Juscelino integrou uma organização criminosa que desviou recursos de obras de pavimentação custeadas com dinheiro público da estatal federal Codevasf.

Um dos elementos utilizados pela PF é um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre uma das obras ter beneficiado propriedades da família do ministro. Juscelino passou a ser investigado após mensagens encontradas entre ele e Eduardo DP sobre a execução de obras e a destinação das emendas. Segundo a PF, as mensagens analisadas no inquérito reforçam a “atuação criminosa de Juscelino Filho” e demonstram que a “sua função na Orcrim (organização criminosa) era conhecida por todos os membros” do suposto grupo chefiado por Eduardo DP.

“Resta cristalina a relação criminosa pactuada entre Juscelino Filho e Eduardo DP”, diz trecho de um relatório da PF. O grupo do ministro teria sido responsável por “suposto desvio ou apropriação e uso indevido de, no mínimo, R$ 835,8 mil”.

Alcolumbre, Randolfe e uma ONG do Amapá

No final do último ano, uma reportagem da Folha de S. Paulo revelou que emendas Pix dos senadores Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Randolfe Rodrigues (PT-AP) que somam R$ 3 milhões beneficiaram uma ONG do Amapá que entrou no foco da CGU sob suspeita de sobrepreço e de falta de transparência e critérios para a sua escolha.

A entidade promoveu festivais em cidades do estado divulgados pelos dois parlamentares desde o ano passado. Segundo a Controladoria, a instituição não tinha capacidade técnica para executar os serviços. Os recursos foram repassados à Prefeitura de Santana (AP) e ao governo do estado e, por estes, ao Inorte (Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano).

Também no Amapá, o governo federal identificou uma série de irregularidades em obras em Macapá (AP) que foram bancadas com verbas articuladas pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos mais influentes parlamentares da Casa.

A auditoria feita pela CGU apontou pagamento de serviços que não foram executados, erros na licitação e concluiu que a construtora conseguiu, de forma inadequada, o aval para participar da concorrência. A empresa vencedora foi a CCN (Construtora Cimentos do Norte), criada pela ex-deputada estadual Francisca Favacho, que recentemente trocou o Pros para integrar a cúpula do MDB no Amapá. Ela é mãe do deputado federal Acácio Favacho (MDB-AP).

Kits robótica e Arthur Lira

Outro caso levantado pelo ICL Notícias envolve um dos principais nomes do Centrão: o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Em agosto do último ano, o ministro Flávio Dino, do STF, decidiu encaminhar à PGR uma lista de 21 processos que envolvem possíveis irregularidades na execução de emendas de relator — as chamadas RP 9. Um dos processos é sobre a compra superfaturada de kits de robótica em Alagoas e envolve assessores próximos de Lira.

A compra dos kits de robótica foi revelada pela Folha de S. Paulo e resultou na Operação Hefesto, deflagrada em 1º de junho de 2023 pela Polícia Federal. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão nos endereços de Luciano Cavalcante, assessor de Lira, e do motorista de Cavalcante, Wanderson Ribeiro Josino de Jesus. Segundo o inquérito da PF, teriam sido desviados cerca de R$ 8 milhões com a compra dos kits pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

O inquérito contra Lira, no entanto, foi arquivado pelo ministro Gilmar Mendes, também do STF, em setembro de 2023. Na época, o ministro acatou o argumento da defesa de Lira. Os advogados do deputado alegaram que a investigação mirava unicamente o atual presidente da Câmara e, portanto, não poderia ter sido iniciado na primeira instância da Justiça devido ao foro privilegiado do parlamentar. Além de arquivar o inquérito, o magistrado determinou, em novembro de 2023, a destruição das provas.

Taxa de 12% para ter emendas

O deputado Júnior Mano (PSB-CE) foi alvo recente da Polícia Federal uma operação que mirou desvios de recursos públicos por meio de emendas parlamentares e de fraudes em processos licitatórios e contratos no Ceará. A operação, denominada de Underhand, teve ao total 15 mandados de busca e apreensão. O grupo criminoso exigia uma taxa de retorno de até 12% para que as prefeituras recebessem os recursos.

A investigação, que está sob sigilo, apura suspeitas dos crimes de organização criminosa, captação ilícita de sufrágio, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica com fim eleitoral. O núcleo investigado é suspeito de articular o direcionamento de verbas públicas de emendas parlamentares a municípios cearenses, com contrapartidas financeiras ilícitas, além de influenciar procedimentos licitatórios por meio de empresas vinculadas ao grupo.

Em um relatório da investigação, a Polícia Federal citou, ainda, os nomes dos deputados federais José Guimarães (PT-CE), Yuri do Paredão (Avante-CE), e do ex-presidente do Senado e deputado Eunício Oliveira (MDB-CE).

Gustavo Gayer na mira da PGR

Outro parlamentar que é alvo de investigações da PF é o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO). Segundo a Polícia Federal, Gayer comprou uma associação para poder desviar emendas parlamentares. A informação consta no relatório enviado à Procuradoria-Geral da República e ao ministro Alexandre de Moraes.

A investigação aponta que Gayer pagou R$ 6 mil (dois Pix de R$ 3 mil) para que o empresário João Paulo de Sousa Cavalcante e a assistente social Joselene Maria Sérgia Borges comprassem a Ascompeco, uma associação já desativada. O objetivo era transformá-la em uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), e fazer alterações no estatuto para que emendas parlamentares fossem destinadas à entidade e o dinheiro repartido entre os envolvidos.

Em uma operação em outubro do ano passado, a PF apreendeu R$ 72 mil em dinheiro vivo na casa de Bruno Amaral, um dos assessores do deputado Gustavo Gayer. As buscas, à época, também foram feitas em um endereço do deputado em Goiânia, no apartamento funcional em Brasília e na residência de assessores do deputado.

PF no encalço do pai de Hugo Motta

Uma obra com recursos de emendas enviadas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos), em Patos, na Paraíba, governado pelo pai de Hugo, Nabor Wanderley Filho, foi alvo da Polícia Federal.

A Operação Outside mirou indícios de fraude licitatória e desvio de recursos públicos federais em contratos que somam R$ 6 milhões para a realização de uma obra no município. A prefeitura assinou contrato de R$ 4,2 milhões em 2021 com a empresa Cesarino Construções para serviços de “restauração de avenidas e ruas com a adequação de calçadas para garantir acessibilidade”. O valor subiu a cerca de R$ 5,07 milhões após aditivo contratual.

Parentes de Elmar Nascimento sob suspeita

Outro líder do Centrão, o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), também teve o nome ligado a investigações sobre o desvio de emendas parlamentares. Familiares do parlamentar já foram alvos da Polícia Federal.

Em dezembro do ano passado, a Operação Overclean da PF cumpriu 43 mandados de busca e apreensão, 17 de prisão preventiva e ordens de sequestro de bens, nos estados de Bahia, Tocantins, São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Foi preso na operação o primo de Elmar, Francisquinho Nascimento (União Brasil). Ele é vereador no município de Campo Formoso (410 km de Salvador) e foi secretário-executivo da prefeitura comandada por Elmo Nascimento, irmão de Elmar.

Recursos públicos provenientes de emendas parlamentares e convênios eram desviados, conforme as investigações, para empresas e indivíduos ligados a administrações municipais.

No mês passado, a quinta fase da Operação Overclean, sobre desvios de emendas, que mira a família do deputado Elmar Nascimento, teve como alvos o irmão de Elmar, Elmo Nascimento, que é o prefeito de Campo Formoso, o seu primo, Francisco Nascimento, que é vereador na cidade, o ex-presidente da Codevasf Marcelo Moreira, que foi indicado pelo parlamentar ao cargo, e Amaury Albuquerque Nascimento, que foi assessor do deputado.

O objetivo da operação, segundo os investigadores, foi desarticular uma organização criminosa suspeita de envolvimento em fraudes licitatórias, desvio de recursos públicos, corrupção e lavagem de dinheiro. Durante as buscas, a PF encontrou cerca de R$ 10 mil em notas dentro de um par de botas em endereço ligado a Francisco Nascimento, primo de Elmar.

A Operação Overclean, em sua quarta fase, mirou as emendas do deputado federal Félix Mendonça (PDT) para três municípios baianos. A apuração indicou que um grupo criminoso atuaria para liberar emendas parlamentares destinadas aos municípios baianos de Boquira, Ibipitanga e Paratinga, no período de 2021 a 2024, mediante pagamento de vantagem indevida e com manipulação de procedimentos licitatórios.

Segundo as investigações, há indícios de que um assessor parlamentar de Félix Mendonça seria o principal operador financeiro do esquema. Contra ele foram expedidas medidas de busca e afastamento do cargo.

Desvio de verbas que iriam para hospital

O deputado Afonso Motta (PDT-RS) também teve emendas na mira da PF, em uma operação que investiga o possível desvio de recursos destinados ao Hospital Ana Nery, no município de Santa Cruz do Sul. Também estava na mira a suposta participação do secretário parlamentar de Afonso, Lino Rogério, no esquema.

Os investigadores afirmam que encontraram notas fiscais que demonstraram que foram pagas comissões a uma empresa de intermediação de negócios para a captação de emendas ao hospital.

De acordo com a apuração, foram identificados três pagamentos pelo hospital por esses serviços que totalizam R$ 509,4 mil. Também foi verificado que 6% dos valores eram repassados a um articulador, e outra parte era dividida entre funcionários do hospital e o secretário parlamentar. A investigação achou direcionamentos de três emendas de Afonso Motta que somam cerca de R$ 1 milhão ao hospital, entre 28 de novembro de 2023 e 15 de janeiro de 2024.

Ciro Nogueira e as emendas para o Piauí

No Piauí, prefeituras contempladas com verbas parlamentares destinadas pelos senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcelo Castro (MDB-PI) contrataram uma consultoria em nome de dois então assessores dos parlamentares para ajudar na liberação dos recursos públicos. Nos últimos cinco anos, a empresa firmou 114 contratos com 51 cidades do estado. Dessas, 28 são administradas pelo PP, de Nogueira, e sete pelo MDB, de Castro. A informação é do jornal O Globo.

A Positiva Assessoria Pública, desde 2018, quando um dos seus sócios passou a atuar também no gabinete de Ciro Nogueira, teve rendimentos de pelo menos R$ 9,5 milhões com negócios firmados com os municípios. Dos 114 contratos do período, 106 (93%) foram fechados sem licitação com as prefeituras do Piauí.

Tabelinha de emendas entre Pazuello e Romário

O Ministério Público Federal (MPF) também mira a destinação de emendas parlamentares. Em abril deste ano, determinou nesta semana a abertura de inquérito civil para investigar repasses feitos via “emendas pix” pelo deputado federal General Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro do governo Bolsonaro, e pelo senador Romário (PL-RJ). Os valores somariam 1,7 milhão de reais. Segundo o MPF, Romário enviou ao Rio de Janeiro emendas no valor de 1 milhão de reais. Já Pazuello, 700.000 reais.

Em abril deste ano, o MPF abriu um procedimento administrativo para investigar o envio de emendas parlamentares (“emendas Pix”) ao município de Tanguá (RJ), em três ocasiões distintas no ano de 2024, pelos deputados federais Alexandre Ramagem (PL-RJ) — ex-chefe da Abin durante o governo Bolsonaro — e Max Lemos (PDT-RJ).

Farra das ONGs

Uma reportagem do jornalista Ruben Berta, do UOL, revelou, neste ano, que políticos também se utilizam de uma “Farra das ONGs” para driblar o STF e aplicar recursos de emendas parlamentares em entidades sem qualquer histórico anterior, que recebem milhões do dia para a noite. Dentre os parlamentares citados, estão o senador Romário (PL) e os deputados Bebeto (PP-RJ), Dani Cunha (União-RJ), Dimas Gadelha (PT-RJ), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Hugo Leal (PSD-RJ), Jorge Braz (Republicanos-RJ), Josenildo Abrantes (PDT-AP), Julio Lopes (PP-RJ), Juninho do Pneu (União-RJ), Laura Carneiro (PSD-RJ), Luciano Vieira (Republicanos-RJ), Marcos Tavares (PDT-RJ), Max Lemos (PDT-RJ), Murilo Gouvea (União-RJ), Otoni de Paula (MDB-RJ), Sargento Portugal (PODE-RJ) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

Ainda segundo o jornalista do Uol, um homem morto há quase “assinou” documento apresentado por uma ONG em um projeto de aulas gratuitas de esporte financiado com dinheiro público no Rio de Janeiro. O caso envolve o Instituto Realizando o Futuro e o projeto Mais Rio em Movimento, que recebeu R$ 4,8 milhões de emenda parlamentar bancada pelo deputado Carlos Jordy (PL-RJ).

As ONGs também foram tema de operação da PF, no último mês, para apurar o desvio de recursos públicos oriundos de emendas parlamentares destinadas à realização de eventos de esportes digitais no Distrito Federal. Um dos alvos é a Associação Moriá, que recebeu R$ 53 milhões de parlamentares do Distrito Federal em dois anos, um dos motivos da decisão tomada por Flávio Dino neste domingo (24). A entidade, chefiada por um ex-cabo do Exército, um motorista e uma esteticista, recebeu quase R$ 46 milhões para um programa que visava ensinar crianças e adolescentes a jogar os games Free Fire, Valorant, LoL, Teamfight Tactics e eFootball.

Dentre os parlamentares que aplicaram recursos na Associação Moriá, estão Bia Kicis (PL-DF), Fred Linhares (Republicanos-DF), Gilvan Máximo (Republicanos-DF), Julio Cesar (Republicanos-DF), Reginaldo Veras (PV-DF).

Outros casos

O deputado cassado Chiquinho Brazão (Sem partido-RJ) e o ex-deputado Pedro Augusto Palareti (PP-RJ) tiveram um pedido de abertura de inquérito solicitado pela PF ao STF para investigar suspeitas de desvios de emendas parlamentares. De acordo com a PF, há “indícios veementes” de que as emendas foram utilizadas para “obtenção de vantagens indevidas”, incluindo recursos que foram repassados para a conta da filha de um assessor de Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e irmão de Chiquinho.

Domingos e Chiquinho estão presos por suspeita de mandar matar a ex-vereadora Marielle Franco (PSOL), em fevereiro de 2018, para impedir que ela continuasse a prejudicar os interesses dos irmãos e para intimidar a atuação do PSOL, partido da vereadora.

O senador Irajá Abreu (PSD-TO) teve, em janeiro deste ano, uma investigação por suspeita de desvio de emendas parlamentares enviado ao STF pela PF. O caso de Irajá chegou ao STF no dia 23 de janeiro, mais especificamente ao gabinete do ministro Flávio Dino. Segundo a “CNN Brasil”, as suspeitas recaem sobre a destinação de emendas milionárias a municípios do Tocantins, como Araguaína, Combinado, Lavandeira e Paraíso do Tocantins.

Em novembro de 2023, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) apontou transações suspeitas em convênios com empresas pagas com dinheiro de emendas do senador Weverton Rocha (PDT-MA). Em um dos casos, os pagamentos foram realizados enquanto as empresas disputavam os mesmos contratos por meio de convênios da Codevasf com prefeituras do Maranhão.

O senador Weverton Rocha destinou ao menos R$ 34 milhões em emendas utilizadas na contratação da Construservice e da Pentágono, as duas investigadas pela Polícia Federal. As construtoras são apontadas como de propriedade de Eduardo José Barros Costa, o Eduardo DP, ainda que o empresário não seja sócio formal das empreiteiras. Ele aparece em mensagens com Juscelino Filho falando de pagamentos relacionados a obras.

Segundo informações do UOL, uma empresa de segurança privada que tem o senador Laércio Oliveira (PP-SE) como sócio foi beneficiada com R$ 656 mil de emendas parlamentares. Os recursos foram indicados pela bancada de Sergipe, da qual ele faz parte. A Franca Vigilância, sediada em Aracaju, recebeu a verba em 2022 e 2024.

O atual ministro dos Esportes, André Fufuca (PP), foi o responsável por indicar a verba de emenda parlamentar para custear um convênio entre a Codevasf e a cidade de Alto Alegre do Pindaré (MA), governada por seu pai, Fufuca Dantas (PP), para obras de melhorias de estradas no município.

Como revelou o site “Brasil de Fato”, foi no âmbito desse convênio que o pai de Fufuca contratou, em 2021, a empresa de Caio Rubens Vieira da Silva, jovem de 23 anos que é investigado pela Polícia Federal por suspeita de compra de voto para Fufuca na eleição de 2018. No celular de Caio, a PF encontrou, entre outras evidências, uma conversa em que ele negocia voto em troca de chuteira de futebol, em 2018.

Outro alvo de investigações é o deputado Antônio Doido (MDB-PA). A PGR abriu uma investigação sobre o deputado após duas apreensões milionárias de dinheiro envolvendo pessoas próximas a ele. O inquérito tramita no STF por causa do foro do deputado.

Em outro caso, a bancada de Roraima no Congresso destinou ao menos R$ 52,4 milhões em emendas parlamentares para uma ONG de Boa Vista que é acusada pela CGU de desviar verbas em um convênio com o Ministério das Mulheres. Sem funcionários fixos ou estatuto, o Instituto Brasileiro de Cidadania e Ação Social (Ibras) é tocado por pessoas envolvidas com a política de Roraima. Um ex-tesoureiro da entidade é casado com a assessora de um deputado federal, que destinou R$ 25 milhões para a entidade.

Emendas: entre o imoral e o ilegal

Em alguns casos, mesmo sem denúncias ou investigação em curso, muitos parlamentares desafiam o limite entre a irregularidade e a imoralidade na destinação das emendas parlamentares. Muitos deputados e senadores aplicaram ou seguem aplicando, por exemplo, recursos em prefeituras comandadas por parentes, como os deputados Adail Filho (Republicanos-AM), Amanda Gentil (PP-MA), Andreia Siqueira (MDB), Arthur Lira (PP-AL), Daniel Barbosa (PP-AL), Daniela do Waguinho (União-RJ), Domingos Neto (PSD-CE) e Eduardo Bismarck (PDT-CE).

Também beneficiaram parentes os deputados Elmar Nascimento (União Brasil – BA), Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), Fernando Coelho Filho (União-PE), Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), Iza Arruda (MDB-PE), Júnior Mano (PSB-CE), Meire Serafim (União Brasil), Ricardo Maia (MDB-BA), Robério Monteiro (PDT-CE), Rodrigo Gambale (Podemos-SP), Thiago de Joaldo (PP-SE) e Yandra Moura (União-SE).

No caso do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), a relação foi além. O parlamentar enviou pelo menos R$ 5,7 milhões em emendas individuais para um hospital alagoano que tem contratos com empresas ligadas a parentes dele. O Hospital Regional Dr. Clodolfo Rodrigues de Melo fica em Santana do Ipanema (AL), cidade controlada pela família Bulhões. A informação foi dada pela “Folha de São Paulo”.

A unidade de saúde contrata duas empresas que têm entre seus sócios dois primos do parlamentar. A irmã do deputado aparece como responsável médica de uma dessas empresas. O hospital que recebeu recursos das emendas de Bulhões Jr. contratou, em 2017, a empresa Alves e Monteiro, que tem entre os dois sócios Maria Irene Alves Monteiro, prima de primeiro grau do deputado federal.

Outro caso fica em linha tênue entre o imoral e o ilegal ocorreu no meio deste ano, quando a prefeita de Aracaju, Emília Corrêa (PL-SE), celebrou publicamente o envio de emendas parlamentares pelo deputado federal Thiago de Joaldo (PP-SE) para custear o show do cantor Wesley Safadão na próxima edição do Forró Caju, tradicional evento junino da capital sergipana. Em 2024, Maceió, capital de Alagoas, pagou R$ 8 milhões para ser enredo da Beija-Flor, parte em emendas parlamentares, como revelado pelo ICL Notícias.

Além dos shows, os deputados Bacelar (PV – BA), Gabriel Nunes (PSD – BA) e Guilherme Uchôa (PSB-PE) destinaram recursos para festas de São João.

Um caso recente que despertou a atenção envolveu o deputado Covatti Filho (PP-RS). A presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz do Sul (RS), Nicole Weber (Podemos), afirmou que recebeu R$ 1,3 milhão em emendas “de presente” do seu noivo, que é o deputado. “O deputado Covatti Filho, o meu noivo, me deu de presente para eu repassar para a comunidade, para o Hospital Santa Cruz, R$ 1,3 milhão para que seja feita toda a parte elétrica nova da ala São Francisco”, disse a vereadora.

Em outro caso de repercussão nacional, a Prefeitura de Barueri, na Grande São Paulo, usou recursos de emendas parlamentares do deputado federal Fábio Teruel (MDB-SP) para recapear o condomínio fechado onde ele vive, com artistas famosos como vizinhos.

Com a proliferação das emendas parlamentares, surgiu o fenômeno de cidades que se tornam verdadeiros “paraísos” de destinação de recursos da bancada evangélica. Um desses casos é o de Carapicuíba, na Grande São Paulo, que teve, nos últimos anos, quantias milionárias de emendas. A cidade, porém, registra falhas na transparência dos gastos públicos, segundo informação do site “Metrópoles”.

Dentre os deputados que destinaram recursos para a cidade, estão Pr. Marco Feliciano (PL-SP) e Gilberto Nascimento (PSC-SP).

Em outros casos, as emendas parlamentares têm sido usadas até para pagar taxas obrigatórias do Brasil à ONU (Organização das Nações Unidas) e financiar colaboradores de consulados do país no exterior, incluindo psicólogos e advogados que atendem principalmente imigrantes brasileiras em cidades como Miami, Nova York e Boston. Segundo a “Folha”, desde 2020, deputados e senadores destinaram R$ 19 milhões a essas ações, considerando os valores já pagos e corrigidos pela inflação, segundo dados da plataforma Central das Emendas.

As maiores indicações são do partido Republicanos, estando no topo da lista os deputados Maria Rosas (SP), Rosangela Gomes (RJ, licenciada) e Gilberto Abramo (MG).

Além das emendas para fora do país, alguns parlamentares também aplicam recursos para estados diferentes do que foram eleitos. Um dos exemplos é da bancada do Distrito Federal que destinou duas emendas, que somam R$ 26,6 milhões, para uma ONG com sede no centro de Maceió (AL), a 1,5 mil quilômetros de Brasília.

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