Os dados sobre a procura de titulo eleitoral por jovens entre 16 e 18 anos neste ano é a menor desde as eleições presidenciais de 1989 (O voto optativo para pessoas de 16 e 17 anos foi instituído pela Constituição de 1988). Do início deste ano até o dia 21 de março, apenas 854.685 jovens nesta faixa etária haviam solicitado o titulo de eleitor, o que correspondia a pouco mais de 13% do total. Nas eleições de 2018, por exemplo, foram em torno de 20% (mais de 1 milhão e 400 mil). Em 2020, nas eleições municipais, houve um aumento para em torno de 30%.
A baixa procura pelo título de eleitor neste ano tem preocupado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tem feito campanhas visando estimular os jovens a votar. Entre outras iniciativas, promoveu a Semana do Jovem Eleitor de 2022, entre 14 e 18 de março, com o apoio de artistas e influenciadores digitais, como a cantora Anitta, as atrizes Taís Araújo e Bruna Marquezine. Foi organizado no perfil do TSE o que foi chamado de tuitaço, estimulando os jovens a tirarem o título e votarem. E deu resultado: em uma semana, de acordo com o TSE, 96.425 novos títulos foram emitidos e ultrapassou um milhão de aptos a votar, o que corresponde a 17%, embora ainda muito baixo, mostra que faltando ainda um mês para o prazo final (4 de maio), o número de títulos nessa faixa etária poderá crescer.
O que pode ser uma boa noticia para Lula. Uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha entre os dias 22 e 23 de março deste ano, revelou que Lula tem a preferência de 51% na faixa etária entre 16 e 24 anos, enquanto Bolsonaro tem apenas 22%, salientando que este tem maior rejeição entre as mulheres (o detalhe importante é que, neste momento, Lula vence em todas as faixas etárias, em todas as regiões, no Nordeste, por exemplo, Lula tem 55% contra 20% de Bolsonaro e no Sul, onde Bolsonaro venceu em 2018 com larga maioria, Lula lidera: 39% a 33%%. No entanto, Lula tem menor vantagem entre quem tem mais de 60 anos.
Constatados os dados, o que explica a pouca procura? Quais as causas? Não há uma única resposta. Há um conjunto de fatores. Mas creio que se relacionam, em grande parte, com a desilusão com os processos políticos tradicionais, com partidos que só se mobilizam em véspera de eleição; com representantes que representam apenas a si mesmos; com informações sobre parlamentares envolvidos em escândalos de corrupção; com a própria situação econômica do país (alta inflação, desemprego, violência, culto às armas – como se isso resolvesse o problema da violência – enfim, na desconfiança e descrédito com relação à política, com o sistema político (que não é específica dos jovens e nem do Brasil).
Os partidos têm parcela de responsabilidade porque, em geral, são organizações centralizadas, nas quais não existe participação efetiva dos seus filiados na tomada de decisões. O troca-troca de partidos na recente janela partidária é expressão disso: quem foi consultado a não ser a direção dos partidos? E como se deram as trocas? Certamente não foram programáticas, mas pela possibilidade do uso de verbas dos partidos (fundo eleitoral e partidário), do controle da máquina partidária etc., que se não é a causa, contribui para o descrédito dos partidos (a maioria, legendas de aluguel) e assim, o sentimento de parcelas significativas da população, incluindo os jovens, de desconexão com a política tradicional.
E também se relaciona com o processo de criminalização da política decorrente, por exemplo, da operação Lava Jato (não apenas os jovens, mas outras faixas etárias também) porque passaram a associar a política a algo ruim, quando a política é a saída: não tem outra forma no sistema democrático (Para maiores detalhes sobre o significado da operação Lava Jato, consultar o livro de Letícia Duarte Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil (2020), The Intercept Brasil, Mórula Editorial no qual questiona a operação, mostrando a seletividade de seus alvos, especialmente Lula), seu legado e a sua legitimidade, reconhecendo que apesar disso “causou impactos enormes e aparentemente duradouros nos epicentros dos poderes empresarial, político e jurídico brasileiros”.
Ao analisar a negação da política, sua desqualificação não é um problema específico do Brasil, e se expressa, especialmente em países sem voto obrigatório, em altos índices de abstenções e na queda da participação nas eleições. Em países da Europa e nos Estados Unidos (no qual menos da metade da população apta a votar o faz), na América do Sul, como no Chile, Venezuela, Colômbia etc. o número de abstenções é muito alto.
Em relação ao Brasil, mesmo com voto obrigatório, somadas as abstenções com os votos em brancos e nulos, desde as eleições de 1989, os dados são expressivos, em torno de 1/3 do eleitorado. Para dar apenas alguns exemplos: no segundo turno das eleições de presidenciais de 2018, Bolsonaro teve 57.797.847 votos (no primeiro turno foram pouco mais de 49 milhões), mas os votos em brancos, nulos e abstenções foram mais de 42 milhões. Só de abstenções foram mais de 31 milhões.
Nas eleições municipais de 2020, a soma das abstenções, votos nulos e em branco superou a votação do primeiro colocado em 483 cidades brasileiras. Em 9 capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Porto Velho, Palmas, Natal, João Pessoa, Curitiba e Goiânia) brancos, nulos e abstenções superaram a votação do primeiro e do segundo colocado juntos. No total, isso aconteceu em 456 cidades . Em Natal Álvaro Dias foi eleito com pouco mais de 194 mil votos, e a soma dos votos em branco, nulos e abstenções foi de 216.707. Só de abstenções foram mais de 157 mil.
Outro aspecto em relação aos jovens diz respeito às redes sociais, que têm se transformado em redes antissociais, espaço também para (muitas) mentiras, fakenews, discursos de ódio, etc. e talvez um fator relevante para eles seja também o medo de ser “cancelado” por emitir opiniões políticas, afastando-os da participação.
Mas não se pode generalizar. Há muitos jovens politizados, atentos ao que ocorre no país e não são enganados por demagogos, mas deve ser uma minoria como os dados em relação à procura pelo titulo de eleitor parecem indicar. Uma pesquisa feita pela socióloga Ester Solano, sobre a percepção do processo eleitoral entre os mais jovens, constatou que existe uma percepção distanciada da política, que ela chamou de “falta de vínculo afetivo”: os jovens sentem que não há espaço para eles. Há uma visão de que a política é corrompida por natureza, de que as instituições e os representantes estão lá para buscarem seus próprios benefícios e que se preocupam pouco com a população e (muito) mais com si mesmos. Também constatou o pouco conhecimento sobre o funcionamento do sistema político.
Outro aspecto revelado em pesquisa está na percepção da democracia. No início de março deste ano, pesquisa do Instituto Ideia Big Data mostrou que menos da metade da população entre 18 e 24 anos considera a democracia como um valor importante, que deve ser defendida e preservada. Segundo a pesquisa, ficaram 38% abaixo das demais faixas etárias. Além disso, a maioria disse confiar pouco (37%) ou não confiar (15%) na urna eletrônica, 52% o que mostra como mentiras repetidas (sistematicamente) podem influenciar. As urnas eletrônicas são confiáveis e seguras. Isso não é uma afirmação gratuita. O TSE tem se esforçado para esclarecer isso, com estudos, especialistas, etc., mostrando, entre outros aspectos, que existem auditorias e que quem acusa não apresenta nenhuma prova. É só para confundir e não aceitar uma derrota eleitoral. Há muito que o atual presidente, um dos que mais questiona as urnas eletrônicas e que perde nas pesquisas de intenção de voto em todas as regiões e faixas etárias, emite sinais de que não aceitará a derrota nas urnas e fará tudo para tumultuar a eleição, culpando as urnas e não o voto de quem não votou nele. A questão é: será que as instituições que resistem ao autoritarismo terão forças suficientes para impedir que isso ocorra?
Quanto aos partidos, um dos desafios é como atrair esse eleitor jovem (e adultos igualmente descrentes em relação à participação eleitoral). Há uma justificada percepção de que os partidos estão distantes e não sabem se comunicar. Para as novas gerações, a linguagem dinâmica dos influenciadores digitais tem importância grande e muitos deles se filiaram a partidos (apenas para viabilizarem suas candidaturas) e foram eleitos. Mas o exercício dos seus mandatos, em geral, é medíocre, e quem votou neles não acompanha o que eles fazem ou deixam de fazer enquanto representantes, quais projetos apresentaram, sua relevância, se foram aprovados ou não, ou seja, em geral são nulidades que sabem usar as redes sociais em benefício próprio.
Os que querem atrair esses eleitores, têm de falar de forma que seja compressível, sobre pautas e causas que sejam importantes, caras a esse segmento, como educação, lazer, saúde, segurança, não para enganar, mas para resolver ou procurar fazê-lo.
Outro aspecto importante é a informação: como se informar em meio a esse mar informacional? Hoje há muitos podcasts bons. Cito o Fora da política não há salvação do professor Claudio Couto, da Fundação Getulio Vargas de SP. Não é um podcast partidário, militante, mas procura analisar e compreender os fatos. Há outros, como um chamado podcast da Lupa, que organizou uns episódios chamados de Reflexo e no quinto, justamente com Claudio Couto, reflete, em linguagem acessível, sobre a desinformação e o uso da mentira no campo da política. Trata-se de “um fenômeno que está na raiz da polarização política vivida hoje no Brasil” e “mais um combustível que inflama e aumenta a polarização”?
Uma das explicações para o descontentamento ou a negação da política pode ser como as pessoas (jovens e adultos) se (des) informa: os jovens talvez mais pelas redes sociais (facebook, twiter, instagram), mas também pelo noticiário – e o televisivo em especial – recebendo diariamente um bombardeio de notícias de escândalos, corrupção, incompetência administrativa, que tem afastado não apenas os jovens, mas também os adultos da política.
Nesse sentido, um grande desafio é: Como inserir o jovem na política? Se há a constatação da necessidade de mudanças, como fazer isso fora da política? Sem participar e/ou sendo indiferente? No caso dos jovens, formam um contingente de mais de cinco milhões de eleitores que pode ser fundamental numa eleição.
Mas é preciso ter consciência de que uma transformação significativa não pode ser realizada da noite para o dia ou apenas através do voto. Mas certamente não virá se afastando da vida política do país. É importante votar (e não apenas os jovens) porque essa escolha interfere diretamente na vida de todos. Há uma noção equivocada de que participar é complicado ou não leva a nada, como se a política fosse algo externo, que não afeta a todos. É a pior alternativa, pois como diz uma famosa frase atribuída a Arnold Toynbee: “O pior castigo para quem não gosta de política é ser governado pelos que gostam”.
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