No início de março de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin decidiu anular todas as decisões processuais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Justiça Federal do Paraná dentro da Operação Lava Jato, como as condenações nos casos do Triplex do Guarujá e do Sítio de Atibaia, restabelecendo seus direitos políticos e o tornando elegível.

Uma pesquisa feita pouco depois, entre os dias 12 e 16 de março de 2021 (Pesquisa Fórum, em parceria com a Offerwise) em todas as regiões do país, revelou que pela primeira vez da série (8ª) Lula aparecia à frente de todos os candidatos tanto em relação ao primeiro turno como a um hipotético segundo turno. Nas sete pesquisas anteriores, ele perdia apenas para Bolsonaro.

A partir de então, em todas as pesquisas, Lula vence todos os candidatos tanto no primeiro como no segundo turno. Uma pesquisa realizada pouco depois (entre 29 e 31 de março de 2021) pela XP/Ipespe constatou que houve um crescimento das intenções de voto em Lula.

Um ano depois, nos dias 22 e 23 de março de 2022, uma pesquisa do Instituto Datafolha, com 2.556 pessoas sobre intenção de voto para a eleição presidencial de 2022, Lula ampliou a vantagem, aparecendo com 43% no primeiro turno, contra 26% de Bolsonaro (os demais, não chegam a dois dígitos o que mostra, a seis meses da eleição, que é muito remota a possibilidade de crescimento da chamada “terceira via”).

Nessa pesquisa o Datafolha testou quatro cenários. No primeiro, apresentou como pré-candidatos: Lula, Jair Bolsonaro, Sergio Moro, Ciro Gomes e João Doria, André Janones, Vera Lúcia, Simone Tebet, Felipe D’Ávila e Leonardo Péricles. Não incluiu Eduardo Leite. Outro com Eduardo Leite e sem João Dória. Outro sem Eduardo Leite e Simone Tebet com João Dória e outro sem Eduardo Leite e João Dória.

Na pesquisa espontânea Lula teve 55% das intenções de voto no Nordeste em três dos quatro cenários da pesquisa (54% no último) e também lidera entre os menos escolarizados (55%), jovens (51%) e pobres (51%).

Já Bolsonaro tem 38% entre quem ganha de 5 a 10 salários mínimos e 39% entre os de renda acima de 10 mínimos, enquanto Lula tem 27% e 26%, respectivamente. Entre as regiões, os melhores desempenhos de Bolsonaro são no Sul (33%) e no Norte/Centro-Oeste (30%), embora com intenções de voto menores que de Lula, que ganha em todas as regiões e faixas etárias.

Entre os evangélicos, Bolsonaro teve 37% das intenções de voto e Lula 34%, empate dentro da margem de erro, revelando um grande crescimento de Lula entre os evangélicos.

Pesquisas eleitorais, como se sabe, são “fotografias” do momento e não dá para projetar e fazer previsões para as eleições faltando seis meses, quando muita coisa ainda pode e deve acontecer (e mesmo especialistas costumam errar bastante quando fazem previsões).

Mas o que chama a atenção nestas pesquisas, embora tenha havido um esperado crescimento das intenções de votos em Lula, é a manutenção do apoio a Bolsonaro em uma situação política, social e econômica muito distinta da que o elegeu: Agora tem as conseqüências da pandemia, com o país tendo uma das maiores taxas de letalidade pela Covid-19 no mundo (ultrapassando 660 mil mortes e mais de 30 milhões de infectados), sendo considerado uma das piores gestões da pandemia do planeta (com ataques até mesmo as vacinas e sua eficácia), e ainda se alia a um cenário com alta taxa de desemprego, baixo crescimento econômico, um auxilio (Brasil) de menor alcance e valor (salientando que o anterior foi um importante fator do crescimento de sua popularidade), um cenário de devastação ambiental, com crescimento do desmatamento na Amazônia (conseqüência de menor fiscalização de crimes ambientais, permissão de garimpos em terras indígenas etc), e no plano político, tentativa de golpe, ataques às instituições democráticas etc., e mesmo assim, se constata que uma parcela (mesmo que minoritária) da população ainda apoia o governo, relevando certa coesão e resiliência em sua base.

Um aspecto importante em uma eleição é a taxa de rejeição e uma pesquisa realizada pelo PoderData, de 29 a 31 de março de 2021, mostrou que o governo Bolsonaro atingiu um recorde de rejeição: 59% dos eleitores, a mais alta já registrada desde o início da pandemia. Cinco meses depois, em agosto de 2021, uma pesquisa feita pela XP/Investimento constatou que 54% dos eleitores disseram considerar a gestão de Bolsonaro no governo ruim ou péssima, contra 52% da pesquisa anterior, realizada em julho. O fato é que a taxa de rejeição ao governo estava em alta desde outubro de 2020, quando o movimento de alta se iniciou, com a queda de 39% para 27% os que consideraram ótimo ou bom.

Em 2022, a rejeição continua alta, mas uma pesquisa realizada em março pelo Instituto Datafolha revelou que a reprovação do presidente caiu de 53% (da pesquisa anterior, realizada em dezembro de 2021) para 46% e aprovação subiu de 22% para 25%, um pouco acima da margem de erro (2% para mais ou para menos).

No entanto, um mês depois, o mesmo Instituto publicou o resultado de uma pesquisa realizada nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (5 e 9 de abril, respectivamente), e constatou que o presidente tem avaliação negativa muito alta, quase 50%. Em São Paulo, 49% classificaram a gestão como ruim ou péssima e 48% no Rio de Janeiro (Os que classificam a gestão como ótima ou boa são 28% em São Paulo e 27% no Rio de Janeiro).

Por que esses dados são importantes? Porque são dois dos maiores colégios eleitorais do país e comparando com os dados de 2018, há uma diferença expressiva. Em São Paulo, no primeiro turno Bolsonaro teve 44,58% dos votos (2.835.930) e Haddad 19,70% (1.253.162) e no segundo turno Bolsonaro cresceu quase 16% (de 44,58% para 60,38%) enquanto Haddad cresceu mais: passou de 19,70% no primeiro turno para 39,62% no segundo turno. No Rio de Janeiro, a votação proporcional de Bolsonaro foi maior, tanto no primeiro como no segundo turno: 58,29% e 66,35% respectivamente, mas, a exemplo de São Paulo, Fernando Haddad teve um crescimento maior, entre o primeiro e o segundo turno, passando de 12,02% para 33,65% .

A alta rejeição e diminuição das intenções de votos nesses dois estados, é importante talvez fundamental na disputa eleitoral. Embora pesquisas mostrem uma queda na rejeição e crescimento das intenções de voto (dentro da margem de erro) de Bolsonaro, Lula continua na frente e tem mantido há mais de um ano, revelando estabilidade nas intenções de votos que dificilmente será alterada nos próximos seis meses. Com o início efetivo da campanha eleitoral, dependendo das estratégias e competência do marketing, poderá ampliar a vantagem, e vencer no primeiro turno.

As análises que tratam de eleições em geral se concentram no período eleitoral, embora haja tentativas de explicações mais amplas, como sugerem Antonio Lavareda e Vinicius Silva Alves no artigo “Esquerda e centro precisam de votos da direita para vencer Bolsonaro”, publicado na Ilustríssima no dia 2 de abril de 2022, no qual argumentam ao fazer uma análise histórico-comparativa, que as eleições de prefeitos e vereadores “captam tendências ideológicas que se verificam nas disputas estaduais e nacionais” e que os resultados de 2020 “apontam a necessidade de candidatos de esquerda e do centro atraíram o voto da direita para que tenham chance contra Bolsonaro”.

Para isso, observam padrões de articulação entre competições que ocorrem em diferentes níveis da federação, agregando partidos em campos ideológicos “conforme a classificação predominante entre os especialistas”.

O problema para a validade e pertinência desses argumentos é se ter uma necessária e consistente base empírica para mostrar a relação de uma coisa com outra e mesmo a classificação de partidos em função de ideologia é mais do que problemática no Brasil, embora as articulações de partidos de esquerda com partidos de direita, pareça justificar os argumentos, mas ao que tudo indica a construção dessas alianças não são resultado de uma avaliação histórica dos processos eleitorais anteriores. Cada eleição tem sua lógica própria e um fato, como a facada em setembro de 2018, pode mudar completamente o cenário de uma eleição.

O que foi determinante na eleição de 2018 para a vitória da extrema direita, dificilmente se repetirá, como o voto evangélico (as pesquisas apontam hoje um empate técnico entre Lula e Bolsonaro), o discurso anticorrupção (sem a mesma eficácia com sucessivos escândalos, sendo o mais recente o caso dos pastores no MEC, da compra de micro-ônibus para transporte de crianças da zona rural m preço superfaturado, e antes, os escândalos em relação a compra de vacinas, denunciadas na CPI da covid, etc., a hipocrisia do discurso anti-establishment político (com justificar com a aliança com o centrão?), e a defesa da família, dos “homens de bem” etc.

Além disso, houve o uso sistemático de mentiras contra adversários, o apoio integral das elites e da mídia hegemônica que , ao que tudo indica, não tem mais e ainda um aspecto relevante hoje que não se tinha em 2018: uma avaliação do governo, como as pesquisas mostram, muito negativa e não apenas em relação a (má) gestão da pandemia mas também quanto à administração pública em geral.

Em 2018 há de se considerar também o impacto na opinião pública, veiculada nos meios de comunicação hegemônicos da operação Lava Jato, e sua bem construída seletividade processual e midiática, da desconstrução do PT, contribuindo para sua rejeição, cultivando o antipetismo e principalmente sem Lula na disputa, preso a mando de um juiz que se tornou ministro do governo beneficiado pela prisão.

E mais: o êxito eleitoral da extrema direita ocorreu em um cenário internacional muito favorável, com o crescimento em diversos países de políticos e partido populistas-autoritários. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no livro Como as democracias morrem (Editora Zahar, 2018) mostram como a ascensão de líderes autoritários eleitos democraticamente (casos do Brasil, Hungria, Polônia, Filipinas e Turquia, por exemplo) se insere em um fenômeno mais geral no qual em nome de uma suposta democracia, atacam o establisment político e quando ganham as eleições, atacam à própria democracia, e com diferenças e contextos distintos, empregam estratégias semelhantes para subverter as instituições democráticas.

O aspecto relevante a ser ressaltado é que governos (e tendências autoritárias) encontram respaldo em certos segmentos da sociedade, revelando que os regimes autoritários, ao longo da história, sempre encontraram apoiadores, muito além das forças das armas que lhes dão sustentação. E no Brasil, o autoritarismo como fenômeno social e político tem uma larga tradição, como mostra o livro Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda, no qual analisa, entre outros aspectos, a tradição autoritária brasileira, afirmando haver enormes dificuldades de efetivação de uma ordem democrática estável, com a universalização dos direitos e da cidadania, que se mantém até hoje.

Daí a importância da defesa de um governo democrático, compreendendo que existe uma base de apoio para a manutenção das desigualdades e do autoritarismo político.

É inegável o êxito da campanha eleitoral de 2018 de associar a corrupção com ideologias de esquerda e o PT em particular, com críticas às políticas públicas de promoção e reconhecimento de diferença e a proteção de direitos de mulheres, indígenas, negros ou da população LGBTQI+, de proteção ambiental, que foram desmontadas depois e que ajudou a aglutinar expressiva parte do eleitorado antes e também mantê-la coesa depois das eleições.

O desafio para a esquerda hoje é ter capacidade de articulação das forças democráticas, não apenas em relação a alianças eleitorais, como para governar, mas como fazer isso se aliando com setores dissidentes da direita? Que compromissos esses setores tem com a democracia e o povo brasileiro? Foram cúmplices dos atentados aos direitos humanos, à liberdade pedagógica (com justificativa de “doutrinação ideológica”), apoiaram (e apoiam) à flexibilização do porte de armas, da devastação ambiental, enfim ações em defesa da manutenção dos privilégios de uma elite numa sociedade profundamente desigual.

A defesa de Estado Democrático de Direito deve ter como foco central a proteção social, a defesa do meio ambiente, das populações marginalizadas, discriminadas e perseguidas, o reconhecimento do direito à diferença, que assegure à liberdade (inclusive a de expressão) e uma vida digna a todos, colocando à esfera pública em defesa da sociedade e não de uma minoria, em especial, da extrema direita.

Outro enorme desafio é reverter à preocupante descrença no sistema de representação, com um baixo grau de confiança nas instituições, como os partidos políticos e o Congresso Nacional, que entre outras consequências leva à recusa da política, ou seja, a percepção negativa das instituições e a indiferença em relação a elas afeta a legitimidade da própria democracia e pavimenta o caminho para o autoritarismo. E o que as pesquisas têm mostrado até o momento, é que o autoritarismo ainda é um terreno fértil que vem sendo cultivado, daí a importância fundamental do engajamento na eleição, em defesa da democracia, de suas instituições e contra toda forma de retrocesso.

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