Por Fabiano Mendonça*

Mais do que programas de gastos ou planos econômicos, as políticas públicas são um caminho para efetivação de direitos fundamentais. Para isso, elas devem ser organicamente integradas entre si.

O modo como são construídos os direitos deveria ser conhecido de todo o povo. Afinal, não há como alcançar algo quando não se conhece o caminho. Isso sem dúvida torna tudo mais difícil.

Não escreverei aqui sobre os meios legislativos e os desafios de ordem política e partidária. Mas sobre uma outra etapa: a de tornar realidade o que se põe no papel. Por enquanto, de um jeito mais próximo do que o Direito diz sobre o assunto.

Há duas formas de se fazer direitos: uma declarativa e outra transformadora. Na primeira, o Poder Público se limita a dizer que o direito existe, que ele é deste ou daquele modo e que irá respeitá-lo. O direito é declarado, como se fosse “em praça pública”, e quem desrespeitar pode ser preso ou ter que pagar algo.

Na outra, a preocupação é com os direitos para os quais não basta “declarar”, é preciso criar estruturas, interferir na cultura, nas práticas, nos costumes, para gerar esse direito. Não apenas para modificar condutas, mas também para proporcionar condições de implementação. Vai desde, por exemplo, a educação para o trânsito, até o financiamento de grandes obras de infraestrutura. Neste caso, são necessárias políticas públicas para todos aqueles efeitos que não podem ser obtidos de imediato.

E é sobre esse sentido que nós nos debruçaremos aqui. Como articular as condições para alcançar um direito e o emprego do que já se encontra à disposição para tornar efetiva uma declaração de um direito fundamental?

No nosso país, os índices de desenvolvimento humano e a desigualdade social são o motivo do grande desejo existente por mudanças na qualidade de vida. Faz parte do discurso político formal e das manifestações populares a compreensão de que o pacto estatal implica no desenvolvimento constante de meios de conferir mais humanidade à vida social.

Mas, antes de se chegar a esse entendimento, a relação entre o Estado e os cidadãos foi primeiramente marcada pelo controle da arrecadação pública: o quanto o Estado podia exigir economicamente da população. Isso transcorreu durante os períodos europeus de feudalismo e absolutismo. Em seguida, o liberalismo trouxe a preocupação com o controle dos gastos públicos. E quando as declarações de direitos ocupam o seu devido lugar, então passamos à busca por tornar os direitos efetivos (cf. SCAFF, Fernando Facury. A trajetória histórica dos direitos fundamentais e as políticas públicas).

E no Brasil podemos ver que o país passou por várias fases na relação entre os direitos fundamentais e as políticas públicas. Ao todo, três modelos, que podem ser denominados de: horizontal, vertical e transversal.

Na fase horizontal há uma pulverização de objetivos setoriais (transportes, seca, educação, entre outros), sem que se promova maior aprofundamento no binômio “vida digna”, senão de modo parcial, indireto ou sintomático. Inicia no Império e ganha maior força na década de trinta do século XX – com atenção especial aos dados econômicos.

A fase vertical produz seu maior símbolo nos seguintes anos cinquenta, com o Plano de Metas do Governo Kubitschek, seu Conselho de Desenvolvimento e sua meta-síntese: Brasília. Passa a haver uma maior acolhida dos anseios de transformação política e social. Há uma maior articulação de interesses entre o setor público e o privado. E, sobretudo, há o surgimento de uma estrutura de coordenação e direcionamento centralizado das políticas, com o objetivo de sistematizar etapas para o alcance de benefícios de bem estar social.

Na fase ou modelo transversal, após um período de oscilações entre um e outro padrão, trata-se de compreender a transversalidade dos direito fundamentais, os quais, como são intrinsecamente interligados, exigem uma integração entre as políticas públicas. Atentando para o direito ao desenvolvimento como o direito de amplo acesso não discriminatório às políticas públicas, gerar acesso passa a ser a razão de ser das políticas.

Não se trata mais de construir etapas de realização de direitos, mas de estabelecer que todas as políticas, ao serem postas em curso, trazem consigo embriões de materialização uma das outras. Assim, a política de transporte urbano só é viável se também trouxer impacto positivo no acesso à educação. O sistema elétrico deve proporcionar melhoria da qualidade de vida das comunidades vulneráveis e assim por diante.

O direito fundamental à felicidade marca decisivamente a conformação desse modelo e é, ao mesmo tempo, sua principal característica e efeito.

De uma maneira muito pragmática, o Butão desenvolveu um sistema prévio de avaliação de políticas públicas no qual uma proposta, para poder seguir seu ciclo e se tornar decisão, deve antes demonstrar que atinge uma quantidade mínima de requisitos de impactos positivos em outras políticas. Isso otimiza o gasto público, compreende o ser humano como uma integridade com capacidades a serem desenvolvidas de pronto (Nussbaum) e potencializa a evolução dos diversos objetivos.

Um marco de âmbito internacional para essa fase e, sistematicamente, para a relação entre democracia e Constitucionalismo está no corrente processo constituinte chileno. Concomitante a ele, em seu discurso de posse, disse o presidente Gabriel Boric que o programa de governo poderia ser sintetizado em “avançar nas mudanças necessárias com responsabilidade, sem deixar nada para trás. Isso significa crescer economicamente e converter o que alguns entendem como bens de consumo em direitos”.

Para fazer isso, o Brasil precisa compreender todo o alcance das regras sobre planejamento – sobretudo o papel social dos planos plurianuais – e rever o compromisso republicano do relacionamento entre os Poderes constituídos.

*Fabiano Mendonça, professor Titular de Direito Constitucional da UFRN. Procurador Federal.
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