Por Silvério Filho
Advogado e Diretor de Redes Sociais do Debate Potiguar
A pedido do Partido Liberal (PL), ao qual pertence Bolsonaro, o ministro Raul Araújo, do TSE, concedeu liminar neste sábado (26/3) para proibir supostas propagandas eleitorais por parte de músicos no festival Lollapalooza. O magistrado fixou à organização do evento multa de R$ 50 mil para cada descumprimento da ordem.
A medida foi requerida após as cantoras Pabllo Vittar e Marina se manifestarem politicamente na sexta: Vittar ergueu uma bandeira com a foto do ex-presidente Lula; já a galesa Marina xingou Bolsonaro.
A decisão foi criticada por advogados eleitorais e, até mesmo, pelo ex-ministro do STF, Celso de Mello, que taxou a determinação de distópica.
Juridicamente, a fundamentação da decisão é temerária, pois contraria entendimento firmado pelo STF na ADI 5.970, de Outubro de 2021, segundo o qual é assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral.
Em verdade, é possível defender, inclusive, que a decisão desrespeitou Resolução do próprio TSE, de n.º 23.671/2021, a qual, em seu art. 27, parágrafo 2º, assevera que “manifestações de apoio ou crítica a partido político ou a candidata ou candidato ocorridas antes da data prevista no caput deste artigo, próprias do debate democrático, são regidas pela liberdade de manifestação”.
Em outras palavras, manifestar preferência ou rejeição a determinado candidato, por si só, não é antecipação de campanha política, de modo que tal conduta, por isso, não se sujeita às normas mais rígidas do direito eleitoral.
Além da ausência da razoabilidade jurídica, há, ainda, um perigo político na referida decisão, à medida que o entendimento pode servir como “precedente” para operacionalização da chamada “censura prévia”, prática estatal explicitamente vedada pela Constituição Federal (Art. 5º, inciso IX c/c art. 220, § 2º).
Diante do avanço estatal sobre a liberdade de expressão dos artistas, membros da classe, como Anitta, ofereceram-se para pagar eventuais multas decorrentes da referida decisão. Tal atitude traz consigo uma forte repercussão política, tanto pela grande influência que a cantora exerce junto ao seu público alvo, quanto pelo fato de que artistas são historicamente uma das classes mais afetadas pela censura prévia.
Em face de toda essa situação, cabe registrar o triste posicionamento de alguns colegas jornalistas de direita que, desconsiderando o quanto a profissão já sofreu com censura prévia, tentaram desqualificar a liberdade de pensamento exercida pelos artistas que criticaram o presidente. Alguns chegaram a chamar de “arrogantes” aqueles que defendiam o exercício da liberdade de pensamento no Lollapalooza.
Tendo a pensar que arrogância, porém, é querer impedir que as pessoas se expressem.
Tudo isso é um sinal dos tempos. A direita voltou a ter medo dos artistas.