Por @silverioalvesfilho
Católico Apostólico Romano
Nos últimos tempos, é muito comum escutar de alguém a alegação de que “se não votar em Bolsonaro, não é verdadeiramente cristão”. A afirmação geralmente é feita até de boa-fé: quem afirma, acredita no que está afirmando. Ocorre que, segundo a lógica apresentada nos Evangelhos, é preciso saber que a afirmação é falsa.
De fato, utilizar o voto em Bolsonaro como “medida de pureza” do cristianismo é, de um lado, extremamente perigoso para fé e para a política, e, de outro, contrário às Escrituras.
É perigoso para a fé, uma vez que apresenta um homem com diversas falhas morais públicas como medida da fé em Deus, o qual não possui uma falha sequer. É perigoso para a política, pois ligada à afirmação está a busca pelo fortalecimento de um projeto político de poder, mediante a instrumentalização de conceitos caros à fé cristã, como salvação e condenação.
E esses perigos são mostrados claramente pelas próprias Escrituras, em passagens nas quais Cristo, o próprio Filho de Deus, foi vitimado pela instrumentalização política da fé.
João, testemunha da Paixão, deixou isso claro no capítulo 8 do seu relato do Evangelho. Lá, os Judeus, movidos por uma instrumentalização da fé do povo em prol de um projeto político, levam Cristo a Pilatos, para ser humilhado, torturado e morto. O povo judeu, influenciado pela vontade política de seus líderes, achava que condenar o Filho de Deus era fazer a vontade de Deus.
Em Jo 8, 33-38, Pilatos tenta entender a natureza da realeza de Jesus, na medida em que aqueles que deveriam ser seus súditos pediam a sua condenação. Jesus então, enfaticamente, afirma que “o Reio dEle não é deste mundo”, separando, por esta frase, a suas motivações divinas da instrumentalização política da fé. Pilatos, intrigado, pergunta o que era a verdade, tendo Jesus, silenciado, pois seu algoz, cego pela questão política, não via a Verdade Encarnada à sua frente.
A seguir, por mais uma instrumentalização política da fé, os judeus optam por condenar ao Cristo e por soltar a Barrabás (Jo 8,40).
Mas, pode se perguntar a esta altura, deveria o cristão desconsiderar totalmente a sua fé na hora de atuar na política? A resposta é, evidentemente, não. A fé influencia nas escolhas morais, que influenciam nas escolhas políticas.
Mas, essa influência não pode partir para um projeto de poder com base na instrumentalização da fé, como quiseram, mais uma vez, os judeus, a quem Jesus chamou de hipócritas (MT 22,18), quando tentaram encurralá-lo, perguntando se era lícito ou não pagar tributos a César. Se Jesus dissesse que sim, atentaria politicamente contra seu povo. Se dissesse que não, atentaria politicamente contra Roma.
Cristo, porém, sabiamente, desfez a instrumentalização política da fé com a frase que devemos utilizar para aqueles que afirmam que só é Cristão quem votar em Bolsonaro: “Dai a César o que é de César; e a Deus, o que que é de Deus” (Mt 22, 21).