O tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2023, segundo especialistas entrevistados pelo Valor, trouxe grande surpresa positiva: cerca de 4 milhões de candidatos que realizaram a prova tiveram que abordar a questão dos “Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil”.

Claudia Yoshinaga, professora de Finanças na FGV EAESP e coordenadora do Centro de Estudos em Finanças (FGVcef), elogiou a escolha do tema, destacando sua relevância e alcance. Ela expressou sua satisfação pelo fato de essa questão ter se tornado objeto de debate em um exame de grande repercussão.

“Fiquei feliz de ver que esse tema foi escolhido para uma prova que acaba tendo bastante repercussão”, disse.

Yoshinaga também enfatizou como o tema está relacionado com as pesquisas da economista Claudia Goldin, vencedora do Prêmio Nobel de Economia deste ano.

“O tema está bastante inserido nessa temática vencedora do Nobel, ou seja, o quanto no mercado de trabalho há um viés negativo em termos de remuneração, um ‘gap’ de salários e de promoção, que acabam prejudicando a carreira das mulheres”, afirmou.

Lorena Hakak, professora da Escola de Relações Internacionais da FGV (FGV-RI), economista e presidente da Sociedade de Economia da Família e do Gênero (GeFam), observou que a questão do trabalho “invisível,” que sobrecarrega a maioria das mulheres, começou a ganhar destaque, especialmente durante a pandemia.

“Começaria com um pouco antes do Nobel deste ano. Essa questão do cuidado já vinha ganhando importância, mas ganha um fôlego extra com a pandemia. O isolamento trazido pelo combate à covid chamou a atenção para a sobrecarga que isso causou nas mulheres, que tinham um trabalho formal, mas também outra carga com cuidados de filhos, parentes ou afazeres domésticos, porque a mulher é a principal cuidadora”, disse.

Segundo a economista, um dos grandes desafios é reforçar a discussão sobre como reduzir essa sobrecarga.

“Tem vários desafios, que começam com a mudança da norma social ou como a gente poderia pensar numa transição?”, afirmou. “Um deles é tentar equalizar a divisão dos cuidados entre homens e mulheres e diminuir a sobrecarga delas”.

Ambas as especialistas também destacaram a importância de abordar a questão da licença maternidade e a discriminação enfrentada pelas mulheres no mercado de trabalho.

Yoshinaga mencionou que a atual legislação brasileira concede às mães uma licença mais longa em comparação aos pais, o que pode prejudicar a carreira das mulheres. A pesquisadora também observou que as mulheres muitas vezes são penalizadas no mercado de trabalho devido à preocupação dos empregadores em relação às ausências relacionadas à maternidade.

As especialistas também concordaram que a abordagem para resolver esses problemas deve ser uma combinação de políticas públicas e esforços do setor privado.

“Recentemente tivemos sancionada uma lei que torna obrigatória a paridade de salários de homens e mulheres no mesmo cargo ou função. É uma ideia boa, há uma sinalização importante, mas existe uma questão que nem sempre produzir uma lei seja o jeito mais efetivo de se garantir essa igualdade. No fim, a lei diz que duas pessoas que estão no mesmo cargo têm de receber o mesmo salário. No entanto, os homens costumam ser promovidos mais vezes ou ter mais chances de ser promovidos”, disse Yoshinaga.

Hakak, por sua vez, também apontou para uma questão emergente relacionada ao envelhecimento da população, destacando que as mulheres frequentemente se encontram na posição de cuidar não apenas dos filhos, mas também dos pais idosos, gerando uma carga de trabalho adicional.

“Há, atualmente, mulheres que cuidam não só dos filhos, mas também dos pais idosos. São as mulheres da chamada ‘geração sanduíche’. Ou seja, tem muito mais trabalho”, afirmou.

Ela enfatizou que as empresas que valorizam horários de trabalho flexíveis podem contribuir para reduzir essa disparidade de gênero.

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