A divisão entre esquerda e direita voltou à moda com o reaparecimento e expansão de movimentos de direita em todo o mundo. Há muita gente, hoje, que tem um espalhafatoso orgulho de se declarar de direita. Houve uma época, entretanto, em que as coisas eram bem diversas. Muitos, ao serem chamados de reacionários e de conservadores, eram capazes de partir para a briga como se tivessem recebido o mais ofensivo dos desaforos. Por sua vez, o pessoal que se autointitulava de esquerda – com a arrogância de quem representa o bem em luta contra o mal – levantava dúvidas sobre a “coerência ideológica” dos que se mostravam moderados ou descrentes das palavras de ordem repetidas como se fossem dogmas intocáveis e inquestionáveis. Enquanto isso, a direita supunha sempre que havia a remessa de dinheiro e de instruções revolucionárias diretamente da antiga URSS para quem defendesse o fim ou redução das desigualdades sociais.

Tudo era, como ainda é, muito maniqueísta e um tanto simplório. Embora não se possa deixar de enaltecer o idealismo e a coragem (heroica) dos militantes de esquerda que, juntamente com outros democratas sem qualquer atuação política ou posicionamento ideológico, combateram a ditadura de 64. Havendo sido alguns deles torturados e mortos nos porões do DOI-CODI. Ou atirados no fundo do mar por aviões em missão de “desaparecimento” de presos políticos. A direita, nisso tudo, sempre esteve ao lado da ditadura, respaldando os piores excessos do regime militar.

A volta às eleições diretas em nosso país, em 1985, propiciou a ascensão ao poder de uma elite de intelectuais paulistas de esquerda, representados por Fernando Henrique, e, depois, de um partido que encarnava o esquerdismo operário, o PT de Lula. O governo FHC conseguiu conter a inflação e estabilizar a economia. E teve essas conquistas preservadas pelos governos que o sucederam. No mais, todos os governos posteriores à redemocratização reproduziram (com significativas conquistas no campo social, no caso do governo Lula) as tradicionais formas de pensar e agir da classe política brasileira, com as distorções éticas que tanto haviam combatido. Isso aconteceu após a queda simultânea e estrepitosa, em 1989, do Muro de Berlim, do comunismo do leste europeu e da União Soviética. O que levou ao surgimento de um novo período histórico.

Então, o que significam hoje esquerda e direita? Para Norberto Bobbio (“Direita e esquerda”, 1994), a dicotomia se basearia num compromisso da esquerda com a igualdade social (que não se confunde com o utópico igualitarismo, a abolição das desigualdades). A própria direita admite atualmente que o desenvolvimento social depende de uma drástica redução das desigualdades.

Duas conclusões sucintas sobre essa divisão nos dias atuais. Primeiro, a direita trumpista (e a bolsonarista, que a imita) é xenófoba, anticientífica e autoritária. Segundo, a esquerda ainda não conseguiu construir um discurso coerente e convincente. Por enquanto, pelo menos aqui, apenas se contrapõe – às tentativas de destruição da democracia e às atitudes insanas do atual mandatário máximo do país.

Ivan Maciel de Andrade, jurista e membro da academia norte-rio-grandense de letras.
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