Por Silvério Alves Filho

Esses dias contemplei o nascer do sol, como há muito não fazia, e lembrei da época da faculdade. Naquele tempo, interessava-me sobre a hermenêutica jurídica, especialmente pela teoria Gadameriana.

Gadamer entendia que o ser humano está fadado a viver compreendendo o horizonte, a realidade, cujos sentidos são construídos numa relação circular entre quem compreende e o que é compreendido.

Nessa atribuição de significado, o ser que compreende não consegue jamais se desvincular da história, das pré-compreensões que traz consigo. Quando se interpreta a placa “saída de emergência” em um recinto, não se tem como interpretar o texto desconsiderando todas as vezes em que se viu uma placa daquelas, em locais similares, geralmente em vermelho. É por isso que entendemos aquela placa, mesmo que esteja em outras línguas.

Gadamer leva seu estudo à área jurídica, defendendo que no direito não existe um processo interpretativo independente da aplicação da norma. Compreensão, interpretação e aplicação não são três momentos autônomos, mas interdependentes, uma vez que não há como separar a norma da realidade que ela visa regulamentar.

Nessa esteira, o texto legal não se confunde com a norma. A norma é produzida a partir do texto, numa relação circular com quem interpreta/compreende/aplica, sempre influenciada pelas pré-compreensões do sujeito, existentes num contexto histórico.

Por isso é impossível defender a existência, no direito, de uma única interpretação “correta”, que seria preexistente à interpretação/compreensão/aplicação dos textos. De fato, na medida em que se vive e se modificam as pré-compreensões, não é raro que um jurista atribua normas distintas aos mesmo textos legais, o que é facilmente percebido pela evolução da jurisprudência dos tribunais.

Mas por que o nascer do sol me fez lembrar de tudo isso e o que isso tem a ver com a banda Pink Floyd? Respondo.

Na faculdade, durante um trabalho, apresentei a compreensão hermenêutica gadameriana com um trecho da música TIME, da banda britânica Pink Floyd (tradução livre):

E você corre e corre atrás do sol, //
Mas ele está se pondo//
Fazendo a volta // para nascer outra vez atrás de você//
De uma maneira relativa o sol é o mesmo,//
Mas você está mais velho //
Com menos fôlego // e um dia mais perto da morte.

Assim como o personagem da música, estamos fadados a viver compreendendo circularmente a realidade, inclusive o direito, enquanto caminhamos para a morte.

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