“A literatura é, de fato, um empreendimento necessariamente universalizante. Um leitor é antes de tudo um cidadão do mundo; e o conceito moderno de literatura mantém, mesmo que às vezes a contragosto, uma sombra esclarecida de Iluminismo; sustenta sempre o conceito, ou pelo menos o desejo, de um homem universal, uma condição que nos coloque além dos limites das circunstâncias”.

A citação é do escritor Cristóvão Tezza e demonstra como a ficção pode ser poderosa tanto como fonte de conhecimento como de compreensão do outro. Em tempos de anti-intelectualismo, desvalorização das artes e exaltação de uma razão técnica destrutiva, não é pouco o que pode fazer por nós a ação de falar sobre literatura, produzir literatura ou simplesmente ler literatura.

Mesmo assim, a figura do leitor contemplativo – aquele sujeito que temporariamente se isola do mundo, abre um livro e constrói um universo em sua cabeça – parece ceder cada vez mais espaço à imersão no mundo virtual dos smartphones, que nos “ensina” um regime de concentração limitado, que não favorece a reflexão nem a aquisição de conhecimentos complexos. Junte isso à influência das redes sociais e seus algoritmos e temos uma geração provavelmente deficiente de capacidades cognitivas e emocionais importantes à democracia e ao desenvolvimento da Ciência.

É preciso que sejamos capazes de termos dentro de nós os vários tipos de leitores (de literatura e arte, de cinema e TV, de internet) que o desenvolvimento midiático criou. Caso contrário, não são apenas as editoras que correm o risco de falir, mas muito do que construímos de progressista em nossa sociedade. A leitura de Literatura, assim, não deixa de ser um antídoto, pois ajuda a construir uma “maneira de pensar” – o meio é a mensagem, diria o velho McLuhan.

Além disso, os livros de ficção e poesia também contribuem para nos salvar de uma maneira muito mais íntima. Esta imagem pode ajudar a visualizar o porquê: durante uma queda de energia, mãe e filha se veem no escuro total, até que encontram e acendem a última vela da casa. Há um instante de redescoberta, de uma iluminação tal que o espaço perde suas vastas dimensões e se fecha aconchegante em torno delas, mãe e filha, a sós, transformadas, torcendo para que a energia não volte tão cedo.

Como nessa cena – paráfrase tirada do romance Fahrenheit 451 –, precisamos do lugar mostrado pela luz de velas das narrativas para ordenar e dotar de sentido um mundo possível, protegido do caos e da indeterminação do mundo lá fora. Assim, usamos a Literatura como elemento para a construção de subjetividades que nos permitem lidar de maneira mais sábia e saudável com a dura experiência do real.

Por isso falar de literatura e por isso esta coluna aqui, no Debate Potiguar. Seja bem-vindo!

Yure Borges é editor do perfil Todas as Páginas: https://www.instagram.com/todas_as_paginas/

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